Quando o Brasil amanheceu chorando...

Eu gosto de festa, gosto de balada, gosto de amigos reunidos. Gosto dessa vida cheia de vida, que as vezes tem vida demais. E por esse mesmo motivo, pro frequentar lugares e mais lugares, morri um pouco na madrugada de domingo. Muitos são os textos, desabafos e reportagens a respeito da tragédia na boate Kiss, em Santa Maria - RS, mas sempre que algo nos toca é impossível que eu me cale com isso, que eu não seja mais uma das muitas que expressam onde podem a dor e a solidariedade com isso tudo que aconteceu, aos familiares e amigos das dezenas de vítimas. Não conheço ninguém de lá, nunca viajei para o Sul, mas tudo isso poderia ter acontecido aqui perto, com os meus amigos, comigo! É muito triste ver parte de nós, jovens, perdendo-se por um erro que poderia ter sido evitado.

Assim como muitos, acordei no domingo com a notícia sobre tudo que estamos vendo/lendo. Depoimentos dos amigos que escaparam da morte e que não conseguem acreditar como uma noite divertida se transformou em uma tragédia sem proporções. A noticia de um celular com 104 chamadas da mãe de uma das vítimas me chocou tanto que é quase impossível conter as lágrimas. Estou em luto e não preciso conhecer pessoalmente nenhuma das pessoas envolvidas diretamente para poder estar com o coração triste e pesado, mas eu sou humana, graças a Deus. Sensibilidade independe do estado onde ocorreu aquilo que nunca mais sairá das nossas lembranças.

Acho Carpinejar é um cara excepcional, então nada poderia falar mais por mim do que o texto que ele escreveu sobre a tragédia. 

"A MAIOR TRAGÉDIA DE NOSSAS VIDAS
Morri em Santa Maria hoje. Quem não morreu? Morri na Rua dos Andradas, 1925. Numa ladeira encrespada de fumaça. A fumaça nunca foi tão negra no Rio Grande do Sul. Nunca uma nuvem foi tão nefasta. Nem as tempestades mais mórbidas e elétricas desejam sua companhia. Seguirá sozinha, avulsa, página arrancada de um mapa. A fumaça corrompeu o céu para sempre. O azul é cinza, anoitecemos em 27 de janeiro de 2013. As chamas se acalmaram às 5h30, mas a morte nunca mais será controlada.

Morri porque tenho uma filha adolescente que demora a voltar para casa. Morri porque já entrei em uma boate pensando como sairia dali em caso de incêndio. Morri porque prefiro ficar perto do palco para ouvir melhor a banda. Morri porque já confundi a porta de banheiro com a de emergência. Morri porque jamais o fogo pede desculpas quando passa. Morri porque já fui de algum jeito todos que morreram. Morri sufocado de excesso de morte; como acordar de novo?

O prédio não aterrissou da manhã, como um avião desgovernado na pista. A saída era uma só e o medo vinha de todos os lados. Os adolescentes não vão acordar na hora do almoço. Não vão se lembrar de nada. Ou entender como se distanciaram de repente do futuro. Mais de duzentos e cinquenta jovens sem o último beijo da mãe, do pai, dos irmãos. Os telefones ainda tocam no peito das vítimas estendidas no Ginásio Municipal. As famílias ainda procuram suas crianças. As crianças universitárias estão eternamente no silencioso. Ninguém tem coragem de atender e avisar o que aconteceu. As palavras perderam o sentido."
Fabrício Carpinejar

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