Aspas: Conserta-se relacionamentos




É fácil: em meio à crise, a janela mais fácil para se pular em caso de emergência é o término. Acabou, boa sorte - daqui em diante cada um segue sua vida, foi bom te conhecer e tchau. Ficam as experiências, as histórias, os momentos juntos e aquela dorzinha que vai findando e fica aguda, à medida que o amor acaba. Moleza, não? Tinha sentimento, mas faltou um bocado de paciência. Era um lindo romance mas, com o tempo, ficou na mesmice e ninguém quis se dar ao trabalho de parar a vida e consertar. E foda-se, claro. Quanto maior a pressa em desapegar, menor a dor e mais rapidamente o cotidiano, um pouco vazio, conseguirá "voltar a fluir". E ao invés de tentar mais um pouquinho, compreender o lado do outro, resolver questões e abrir a cabeça, acabar parece a solução mais plausível pra findar aquilo que se desgastou. Esses são os tempos modernos, ou melhor, líquidos que Bauman tanto descreve em suas obras. Mas e vem cá: bem querer suficiente, tesão acumulado e um olho no futuro não contam nada, não?

Falta olhar atento ao que não anda bem. Sinceridade na fala, conversas francas de boa vontade e confiança um no outro, na paixão que se vive, no futuro próximo pra operar mudanças no relacionamento. Um guarda mágoas passadas enquanto o outro não sabe mais como agir, tamanha a proporção das brigas, que se tornaram barracos - onde a mulher acaba quase sempre no chão, ajoelhada e implorando: "fala comigo, peloamordedeus". Dormem enfezados, quando voltam a conversar, agem como se nada tivesse acontecido (deixando acumular feito bola de neve a angústia das palavras do não-dito). Se enchem de atividades frívolas. Preenchem as horas com tédio compartilhado. Assim se repete a programação, até que - geralmente - a metade da laranja mais sã do casal acha melhor parar por aí e seguir a vida como se meses e ano nem ao menos tivessem acontecido.

Eu faço parte da pequena parcela de pessoas que possui um apego enorme quando algo realmente me toca profundo - o que é difícil. Se gosto, amo. Logo, sou a favor dos pequenos retoques, afinal, brinquedo novo nenhum substitui a mistureba de sensações maravilhosas que a intimidade me proporciona. Alguns remendos transparecem a derme do amor bonito que a gente nutre, mas daí dá pra chamar de cicatrizes: caímos, sim, e doeu pra caralho, mas como foi bom aprender e se dar a chance de desenvolver algo saudável junto. As lágrimas ficam pra trás, enquanto uma nova fase, peças de maior utilidade. É bom poder redescobrir cada face de quem a gente vê acordar todo o dia com a cara amassada. É maravilhoso ter a chance de aparar arestas, fazer concessões, chegar a veredictos. Nada de lixo, porque mesmo quando o clima pesa, a tristeza do outro ali no canto do quarto faz reciclar um montão de vontades que a gente precisa viver juntos e até então desconhecia.

Sou totalmente a favor de, enquanto houver respeito, desejo, carinho e beijos apaixonados, que as reformas sentimentais existam. Manutenção preventiva é boa amiga, claro: nunca deixar cair de moda surpresas esporádicas, não se deixar cair em tentação nenhuma, dizer no pé do ouvido, antes de dormir, aquele "eu te amo demais" sussurrado tem efeitos colaterais desejáveis. Eu sei, é cômodo estabilizar e esquecer atos antes naturais de início de namoro ao longo do tempo, eu sei, as brigas aumentam quando a convivência sufoca, eu sei. Mas o mercado nem sempre é tão vasto como imaginamos, não. Não com as características que a gente deseja pra alguém que ronque ao nosso lado. Difícil achar quem faça algo lá dentro dos olhos brilhar feito estrela. Ou seja: concordo com o aclamado Bauman, mas meu algo em mim gostaria muito de que uma reviravolta no mundo fizesse o pensamento humano mudar. E contaminasse a todos nós com paciência pra regar o jardim. Esperar a semente florescer. E não se desesperar simplesmente porque o amor talvez tenha chegado ao fim.

Torço pra que mais gente pense como eu e o Thiago Lacerda, que afirmou esses dias em entrevista a uma revista dessas de celebridades que, mesmo tendo momentos tensos à dois, tenta. Desanimar é pouco pra quem tem vontade. É inútil, é covarde. Dê uns dias, se dê silêncio, combine chances. Releve atitudes. Troque a válvula, insira mais memória, pinte com o tom de um sábado à noite fresquinho, desses em que se toma cerveja na varanda, em goles de amor. Corrijam seus caminhos, controlem a impulsividade, pensem com carinho: se vale o conserto, pague pra ver. Geralmente, se o fundo bancário amoroso permite, sai mais em conta. Relações rápidas nos proporcionam experiência; as duradouras, crescimento. Casais com anos e anos de convivência e paixonite duradoura são além de inspiração, um must have - pra mim, não saem de moda nunca.


Camila Paier, dona do blog http://www.camilapaier.com.br/ tem duas décadas, um sentimentalismo ambulante que grita no peito e uma voz que raramente se cala. Opinião pra tudo, um namorado lindo, uma família imperfeita (mas feliz) e estuda Jornalismo, enquanto cobiça a psicologia humana, manter o peso saudável que alcançou, morar sozinha e viver do que escreve.

Comentários

  1. Sempre acredito no refazer. Quando o outro faz valer, vale muito tentar. Realmente uma pena esse tempo em que descartam-se pessoas e sentimentos como descartamos objetos sem valor...
    Bjs moça, bom voltar aqui!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu sou dessas que vou até o limite! Se não deu certo, não foi por falta de esforço em consertar! Beeijos, flor. Bom te ver aqui ;)

      Excluir

Postar um comentário

Obrigada e volte sempre,
fico feliz com sua vinda ao blog ;)

Postagens mais visitadas