Com vocês: Caio Fernando Abreu
Caio Fernando Loureiro Abreu é considerado um dos principais contistas do Brasil. Tive a honra de nascer no mesmo dia e mês em que ele nasceu: 12 de setembro. Acho que isso ajuda a explicar tamanha identificação que sinto com seus textos/contos. Sua ficção se desenvolveu acima dos convencionalismos de qualquer ordem, evidenciando uma temática própria, juntamente com uma linguagem fora dos padrões normais. Era portador do vírus da AIDS e encontrou nas roseiras um sentido mais delicado para a vida. Foi internado no Hospital Menino Deus, onde faleceu no dia 25 de fevereiro de 1996.
(...) DANEM-SE, demônios. Zézim, você só tem que escrever se isso vier de dentro pra fora, caso contrário não vai prestar, eu tenho certeza, você poderá enganar a alguns, mas não enganaria a si e, portanto, não preencheria esse oco. Não tem demônio nenhum se interpondo entre você e a máquina. O que tem é uma questão de honestidade básica. Essa perguntinha: você quer mesmo escrever? Isolando as cobranças, você continua querendo? Então vai, remexe fundo, como diz um poeta gaúcho, Gabriel de Britto Velho, "apaga o cigarro no peito / diz pra ti o que não gostas de ouvir / diz tudo". Isso é escrever. Tira sangue com as unhas. E não importa a forma, não importa a "função social", nem nada, não importa que, a princípio, seja apenas uma espécie de auto-exorcismo. Mas tem que sangrar a-bun-dan-te-men-te. Você não está com medo dessa entrega? Porque dói, dói, dói. É de uma solidão assustadora. A única recompensa é aquilo que Laing diz que é a única coisa que pode nos salvar da loucura, do suicídio, da auto-anulação: um sentimento de glória interior. Essa expressão é fundamental na minha vida. (...) Sobretudo, não se angustie procurando-o: ele vem até você, quando você e ele estiverem prontos. Cada um tem seus processos, você precisa entender os seus. De repente, isso que parece ser uma dificuldade enorme pode estar sendo simplesmente o processo de gestação do sub ou do inconsciente. (...) Pra mim, e isso pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma. Pode sair até uma flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta. E eu acho — e posso estar enganado — que é isso que você não tá conseguindo fazer. Como é que é? Vai ficar com essa náusea seca a vida toda? E não fique esperando que alguém faça isso por você. Ocê sabe, na hora do porre brabo, não há nenhum dedo alheio disposto a entrar na garganta da gente.
Não sou uma das pessoas mais cultas que conheço. Não leio 2 ou 3 livros por semana e, sinceramente, não sei se conseguiria entrar numa conversa sobre música clássica e literatura e conseguir fazer fluir o tema, pois não sou muito fã (AMO Fernando Pessoa e comprei "O Eu Profundo e os Outros Eus" ano passado e devorei em uma tarde, porém não tenho mais nada além dos livros da época do colégio). Mas frases e pequenos textos assinados por Caio Fernando Abreu me deixaram completamente apaixonada nos ultimos meses, pela forma de escrever, pelos temas, pela identificação com os meus temas pessoais, com a minha vida... enfim. Quando tiverem oportunidade e tempo, busquem por este incrivel contista. Garanto que você vai achar alguma frase pra descrever exatamente o que você sente.
(...) Tô tão só, Zézim. Tão eu-eu-comigo, porque o meu eu com a família é meio de raspão. Tá bom assim, não tenho mais medo nenhum de nenhuma emoção ou fantasia minha, sabe como? Os dias de solidão total na praia foram principalmente sadios.
p.s.1: Os trechos acima foram retirados da carta enviada pelo autor a seu grande amigo, o jornalista José Márcio Penido, e nela relata a criação do livro "Morangos mofados", fala de sua admiração por Clarice Lispector e Dalton Trevisan e estimula o amigo a escrever. Editora Agir - Rio de Janeiro, 2005, pág. 152.
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