Esmalte Vermelho

Não é mais como era antes. Nada mais será inteiro, completo. O esmalte vermelho das unhas já está há tempos desbotado, o lápis de olho borrado e os fones de ouvido que não param de tocar músicas melancólicas do tipo que te fazem ficar pior do que você já está. As lágrimas? Bem seguras no ponto alto do olhar. Não querem escorregar e perceber que gostam desse movimento, pois não terão como voltar ao alto para, novamente, brincar de escorrega. É uma mão única, em todos os sentidos. Não há como parar esse movimento depois de iniciado.

Quantos caras já passaram e se assustaram pela abordagem silenciosa de alguém que até então nunca havia visto. Ela estava a sua procura, tentando qualquer vestígio em rostos desconhecidos. Nada. Ninguém. Aquela dor parecia que cada vez mais aumentaria, mas jamais podia imaginar que isso teria proporções tão impensáveis.

Qualquer parte, qualquer olhar, qualquer gesto... Mesmo que um adeus. Era tudo o que queria e era com isso que passava noites a sonhar. Na verdade, nos seus sonhos ele estaria de volta, pedindo perdão pelos dias longe, ainda mais perdão pelo desaparecimento dos sentimentos. Mas nada mais estava acontecendo desde aquele inconsciente ultimo beijo. Se ela soubesse, teria beijado com mais carinho, com todo amor que nela existe, com até mesmo mais intensidade. Teria abraçado por mais tempo e, ao soltar, teria puxado-o novamente para os seus braços.

Se soubesse que aquele estava sendo o ultimo momento dos dois juntos, teria dito coisas que nunca conseguiu dizer, da maneira que encontrasse. Esta seria uma atitude difícil, pois o que ainda não foi dito, não o foi por não encontrar nada que conseguisse expressar. Mas sabendo que aquele era o fim, teria se esforçado ainda mais, mesmo que fosse apenas pra dizer que não conseguia dizer o quanto de significação-sem-nome alguém pode despertar.

Teria pintado as unhas novamente, teria retocado a maquiagem, teria trocado de roupa e teria feito com que aquela ultima noite fosse inesquecível. Teriam ido ao cinema, depois jantar com os amigos, teriam ido tomar sorvete de mãos dadas e trocado carinhos. Teriam ido a uma festa, uma boate, qualquer lugar onde pudessem dançar e, depois de tudo isso, teriam expressado tanto amor um pelo outro, que dormir de conchinha seria a única coisa que seria aceita depois disso.

Teria lido as inúmeras cartas não entregues que fez. Teria enviado os montes de mensagens pensadas e não enviadas ao seu celular. Teria até dito tudo o que a entristecia, ainda mais do que o que ele já sabia. Teria pedido ajuda para terminar aquele trabalho e pedido para que fosse com ela até a faculdade entregá-lo. Isso mudaria o rumo de toda a história, não iria haver “últimos” nada. Ele não atravessaria aquele sinal vermelho por distração escrevendo uma mensagem dizendo que já estava com saudades e que, amanhã, iriam passar o dia inteiro juntos, em uma viagem a dois.

Já fazem três dias desde aquele ultimo beijo com a certeza do “até amanhã”. E durantes estes três dias, ela está sentada no banco da pracinha, cenário do último passeio. Palco da última demonstração pública de amor, com direito a cena de ciúmes. Não consegue acreditar nos últimos acontecimentos. Não consegue acreditar que ele se foi para sempre e que não vai voltar no dia seguinte, como prometeu. Não consegue acreditar que o esmalte vermelho ainda está desbotado...

Comentários

Postagens mais visitadas